sábado, 13 de setembro de 2008

Responsórios das Matinas da Sagração da Sé de Angra

Em 1803, João José Baldi compõe os Responsórios das Matinas da Sagração da Sé Catedral de Angra, muito provavelmente por encomenda da diocese, do cabido ou da própria Sé.

A palavra «matinas» relaciona-se com a manhã: matutina sollemnitas, matutina laus, referia-se em princípio à oração da manhã que agora chamamos Laudes. Mais tarde, aplicou-se ao ofício nocturno, que os monges celebravam antes da aurora.

Assim se chamou até que o Concílio deu a orientação de que «a hora designada por Matinas, embora na recitação coral mantenha o seu carácter de louvor nocturno, seja adaptada de modo a poder recitar-se a qualquer hora do dia, tenha menos salmos e leituras mais longas» (SC 89).

Agora, dá-se-lhe outro nome: «ofício de leitura» (cf. IGLH 55-69), e os que não têm a obrigação do coro podem rezá-lo à hora do dia que mais favoreça este momento de oração meditativa.

As Matinas começavam pelos ritos iniciais que incluíam o invitatório e o hino. Seguiam-se três nocturnos. Cada um deste era composto por três salmos, três lições e três responsórios por «nocturno»; cada responsório integrava dois versículos. O último nocturno era composto só por dois responsórios, sendo o terceiro substituído pelo Te Deum.


Os salmos eram executados em cantochão e os responsórios a canto de órgão, evoluindo para peças corais acompanhas com orquestra. Encomendavam-se estes, segundo a solenidade e importância do evento, a compositores de renome ou em voga. E, dado que a salmodia a cantochão e os bordões de récita estavam, como é óbvio, previamente estabelecidos pelo Liber Usualis, a parte móvel consistia nos responsórios e respectivos versículos.

A obra foi executada na Hora de Matinas, por ocasião da Sagração da Sé Catedral de Angra, em 1808. É esta efeméride que a 9 de Novembro de 2008 será recordada com um concerto que se prepara desde Janeiro último. Pretende-se assim assinalar a composição e interpretação de uma obra de notável importância.

É da máxima relevância a celebração dos 200 anos da composição do trecho musical e do evento histórico por ele assinalado. Não existe, como é óbvio, gravação dos Responsórios das Matinas da Sagração da Sé de Angra, compostas em 1803, expressamente para o evento, conforme está escrito no frontispício da partitura manuscrita, motivo por que a sua reposição se reveste de grande importância, não só para assinalar a efeméride mas também para divulgar um compositor português muito em voga no seu tempo. A peça revela o gosto classicista ao mesmo tempo que nos presenteia momentos de fraseio contrapontístico à maneira da fuga barroca, num tratamento imitativo sistemático de todas as vozes. A ornamentação, à maneira do estilo galante, é tão exagerada que se optou por seleccionar os ornamentos de modo a que fluam no conjunto melódico e harmónico de forma discreta e natural, evitando-se o ridículo.

A música sacra predominante na transição do século XVIII para o XIX, em Portugal e na Europa meridional, não se distinguia, ao nível do estilo, da música operática – motivo de escândalo para os moralistas e de gáudio para a maioria do público, sob a tolerância da autoridade eclesiástica que, deste modo, via encher-se as igrejas depois dos abalos provocados pelo liberalismo. Assim, as missas, as matinas, e demais música sacra do início de oitocentos, são inspiradas, e mesmo decalcadas, em Rossini e Donizetti, «quando não nos vaudevilles e óperas cómicas francesas introduzidas um pouco mais tarde». Os Responsórios das Matinas da Sagração da Sé Catedral de Angra resultam de uma curiosa amálgama entre os restos de uma tradição contrapontística escolástica e o gosto melodramático de um epígono de Rossini e Donizetti.

No Arquivo da Sé existe a partitura vocal, uma parte de órgão, que mais se assemelha a uma redução da orquestra, e uma parte de violoncelo; a reconstituição orquestral foi feita pelo mestre de capela da Sé, Duarte Gonçalves Rosa, com base nas partes existentes e tendo em conta o carácter da peça, do compositor e da época.

A música do hino é da autoria de Manuel Joaquim da Silva, capelão da Sé de Angra em 1808.


Estrutura da Peça, Texto e Tradução

Invitatório – Solistas, Coro, Orquestra e Órgão

Domum Dei decet Sanctitudo. Sponsum eijus Christum adoramus in ea. Alleluya.

A Santidade mora na casa de Deus. Nela Adoramos o seu Esposo, Jesus Cristo. Aleluia.

Hino – Estrofes Ímpares: Soprano, Alto, Tenor, Baixo e Orquestra – Estrofes Pares (Canto Gregoriano): Coro Masculino e Órgão
1
Caelestis urbs Jerusalem, beata pacis visio
Quae celsa de viventibus saxis ad astra tolleris
Sponsaeque ritu cingeris mille Angelorum millibus.
2
O sorte nupta prospera dotata Patris gloria
Respersa Sponsi gratia Regina formosissima
Christo jugata Principi caeli corusca civitas.
3
Hic margeritis emicant, patentque cunctis ostia
Virtute namque praevia mortalis illuc ducitur amore Christi
percitus tormenta quisquis sustinet.
4
Scalpri salubris ictibus et tunsione plutima
Fabri polita malleo hanc saxa molem construunt
Aptisque juncta nexibus locantur in fastigio.
5
Decus parenti debitum sit usque quaque Altissimo
Natoque Patris unico et inclito Paraclito cui laus potestas
Gloria aeterna sit per saecula amen.

1
Celeste cidade de Jerusalém, bem-aventurada visão da paz,
Que, excelsa, serás erguida às alturas com pedras vivas
E mil vezes adornada por mil Anjos com as vestes de Esposa.
2
Ó que destino de esposa próspera, dotada da glória do Pai,
Abençoada com a graça do Esposo, Formosíssima Rainha,
A Cristo Rei unida, cidade refulgente do céu.
3
Aqui as portas brilham com pérolas e a todos se abrem;
Para ali é conduzido o mortal pelo luzeiro da virtude, pelo amor de Cristo
Todo o atribulado enfrenta as tormentas.
4
Com salutares golpes de cinzel e repetido esforço,
Os trabalhadores edificam esta casa com uma pedra polida,
E com arte são colocadas as juntas no cimo.
5
Honra seja sempre dada ao Pai Altíssimo
E ao Filho Único do Pai e ao ínclito Paráclito a Quem o louvor, o poder
E a glória eterna sejam dados pelos séculos. Ámen.

1.º Nocturno

1.º Responsório – Soprano, Coro, Orquestra e Órgão

In dedicatione templi decantabat populus laudem.

Na dedicação do templo, o povo entoava o louvor continuamente.

1.º Versículo – Soprano, Alto, Tenor, Baixo e Orquestra

Et in ore eorum dulcis ressonabat sonus. Alleluya.

E na sua boca ressoava um doce canto. Aleluia.

2.º Versículo – Soprano, Alto e Orquestra

Fundata est domus Domini supra verticem montium
Et venient ad eam omnes gentes.

A casa do Senhor foi fundada sobre o cume dos montes
E a ela acorrem todos os povos.

2.º Responsório – Soprano, Alto, Coro, Orquestra e Órgão

Fundata est domus Domini supra verticem montium
Et exaltata est super omnes colles.

A casa do Senhor foi fundada sobre o cume dos montes
E erguida sobre todas as colinas.

1.º Versículo – Soprano, Alto, Tenor, Baixo e Orquestra

Et venient ad eam omnes gentes et dicent: Gloria tibi Domine, alelluya.

E a ela acorrem todos os povos e clamam: Glória a Ti Senhor. Aleluia.

2.º Versículo – Soprano e Orquestra

Venientes autem, venient cum exultatione, portantes manipulos suos.

Vêm com alegria, trazendo o fruto das suas colheitas.


3.º Responsório – Alto, Tenor, Coro, Orquestra e Órgão

Benedic Domine, domum istam, quam aedificavi nomine tuo:
Venientium in loco isto.

Abençoa, Senhor, esta casa, que edifiquei em Teu nome:
Em nome] dos que vêm a este lugar.

1.º Versículo – Soprano, Alto, Tenor, Baixo, Coro, Orquestra e Órgão

Exaudi preces in excelso solio gloria tuae. Alleluya.

Atende as súplicas no excelso trono da Tua glória. Aleluia.

2.º Versículo – Soprano, Alto, Tenor, Baixo e Orquestra

Domine si conversus fuerit populus tuus et oraverit ad sanctuarium tuum.

Se o Teu povo se converter e orar no Teu santuário, Senhor.

Gloria – Coro, orquestra e Órgão

Gloria Patri et Filio et Spiritui Sancto.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo.


1.ª Leitura: dos Sermões de S. Agostinho, bispo

Reunimo-nos nesta assembleia para celebrar solenemente a dedicação de uma casa de oração. Esta é, de facto, a casa das nossas orações; mas nós próprios somos casa de Deus. Somos construídos como casa de Deus neste mundo e seremos dedicados solenemente no fim dos tempos. O edifício, ou melhor, a construção faz-se com trabalho; a dedicação realiza-se com alegria.

O que acontecia aqui quando estes materiais se erguiam, isso acontece agora quando se reúnem os que acreditam em Cristo. Com efeito, ao aceitarmos a fé, é como se fossem cortadas as madeiras e as pedras nas florestas e nos montes; ao sermos catequizados, baptizados, instruídos, é como se fôssemos desbastados, alinhados e aplainados nas mãos dos carpinteiros e artistas.

No entanto, esses materiais não constroem a casa do Senhor, senão quando se unem pela caridade. Se estas madeiras e pedras não estivessem organicamente unidas entre si, se não se ligassem pacificamente umas às outras, se, por assim dizer, não se amassem, ninguém entraria aqui. Mas quando se vê numa construção as pedras e madeiras bem ligadas entre si, entra-se com segurança, não se receia o desabamento.

Querendo, pois, Cristo Senhor, entrar e habitar em nós, dizia, como se estivesse edificando: Dou-vos um mandamento novo: amai-vos unas aos outros. Disse: Dou-vos um mandamento novo. Vós éreis de facto velhos; ainda não formáveis uma casa para Mim; jazíeis nas vossas ruínas. Por conseguinte, para vos levantardes da vetustez das vossas ruínas, amai-vos uns aos outros.

2.º Nocturno

1.º Responsório – Soprano, Coro, Orquestra e Órgão

Orantibus in loco isto.

Aos que orarem neste lugar.

1.º Versículo – Soprano, Alto, Tenor, Baixo e Orquestra

Dimitte peccata populi tui, Deus, et ostende eis viam bonam,
Per quam ambulent et da gloria in loco isto. Alleluya.

Perdoa os pecados do Teu povo, ó Deus, e mostra-lhe o bom caminho,
Pelo qual caminhe, e revela a [Tua] glória neste lugar. Aleluia.

2.º Versículo – Soprano, Tenor, Baixo e orquestra

Qui regis Israël, ostende, qui deducis velut ovem Joseph.
Qui regis Israël, intende, qui sedes super cherubim.

Tu que reges Israel, revela-Te, Tu que conduzes José como um rebanho.
Tu que reges Israel, escuta, Tu que Te sentas sobre os Querubins.

2.º Responsório – Soprano, Coro Orquestra e Órgão

O quam metuendus est locus iste.

Quão terrível é este lugar.

1.º Versículo – Soprano, Alto, Tenor, Baixo Coro, Orquestra e Órgão

Vere non est hic aliud nisi domus Dei et porta caeli. Alleluya.

Na verdade, não é este lugar senão a casa de Deus e a porta do céu. Aleluia.

2.º Versículo – Soprano, Alto, Tenor, Baixo, Coro, Orquestra e Órgão

Haec est domus Domini firmiter aedificata, bene fundata est supra firmam petram.

Esta é a casa do Senhor firmemente edificada, bem fundada sobre a rocha firme.

3.º Responsório – Coro, Orquestra e Órgão

Mane surgens Jacob, erigebat lapidem in titulum.
Fundens oleum de super, votum vovit Domino.

Levantando-se Jacob de manhã, erguia uma pedra como sinal.
Derramando óleo sobre ela, fez um voto ao Senhor.

1.º Versículo – Soprano, Alto, Tenor, Baixo e orquestra

Vere locus iste sanctus est, et ego nesciebam. Alleluya.

Este é na verdade um lugar santo, mas eu não sabia. Aleluia.

2.º Versículo – Tenor e orquestra

Cumque evigilasset Jacob de somno ait.

Disse Jacob, despertando do sono.

Gloria – Baixo, Coro, Orquestra e Órgão

Gloria Patri et Filio et Spiritui Sancto.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo.


2.ª Leitura: dos Sermões de S. Agostinho, bispo

Considere a Vossa caridade que esta casa está ainda a ser edificada em todo o mundo, como foi predito e prometido. Quando, depois do cativeiro, se edificava o templo, diziam, como se lê num salmo: Cantai ao Senhor um cântico novo; cantai ao Senhor, terra inteira. Ao cântico novo do salmo corresponde o mandamento novo do Senhor. Que há, na verdade, num cântico novo senão um amor novo? Cantar é próprio de quem ama. A voz deste cantor é o fervor do amor santo.

Por conseguinte, o que aqui vemos feito materialmente nas paredes, faça-se espiritualmente nas almas; e o que vemos aqui realizado nas pedras e madeiras, também se realize nos vossos corpos, por obra da graça de Deus.

Acima de tudo, portanto, dêmos graças ao Senhor nosso Deus, de quem procede toda a boa dádiva e todo o dom perfeito; e louvemos a sua bondade com toda a alegria do coração, porque, para construir esta casa de oração, visitou o espírito dos seus fiéis, excitou-lhes o afecto, proporcionou-lhes o auxílio; inspirou a querer os que ainda não queriam, ajudou os esforços da boa vontade para que agissem; e, deste modo, é Deus quem começa e lava a bom termo tudo isto, Ele que opera nos seus o querer e o agir segundo os seus desígnios.

3.º Nocturno

1.º Responsório – Soprano, Coro, Orquestra e Órgão

Domus mea orationis vocabitur dicit Dominus: in ea omnisqui petit accipit et qui quaerit invenit.

A minha casa será chamada casa de oração, diz o Senhor: nela, quem pedir receberá e quem procurar encontrará.

1.º Versículo – Soprano, Alto, Tenor, Baixo, Coro, Orquestra e Órgão

Et pulsanti aperietur. Alleluya.

E ao que bater abrir-se-lhe-á. Aleluia.

2.º Versículo – Alto e Orquestra

Petite et accipietis, quaerit et invenietis.

Pedi e recebereis, procurai e encontrareis.


2.º Responsório – Coro, Orquestra e Órgão

Lapides pretiosi omnis muri tui.

São de pedras preciosas todas as tuas muralhas.

1.º Versículo – Soprano, Alto, Tenor, Baixo e Orquestra

Et turres Jerusalem gemmis aedificabuntur. Alleluya.

E edificadas com jóias as torres de Jerusalém. Aleluia.

2.º Versículo – Soprano, Tenor e Orquestra

Portae Jerusalem ex saphiro et smaragdo aedificabuntur et ex lapide pretioso omnis circuitus muri ejus.

As portas de Jerusalém serão edificadas com safiras e esmeraldas e com pedras preciosas todas as suas muralhas.


3.ª Leitura: do hinoTe Deum

Nós Vos louvamos ó Deus, Nós Vos bendizemos, Senhor.
Toda a terra Vos adora, Pai eterno e omnipotente.
Os Anjos, os Céus e todas as Potestades,
Os Querubins e os Serafins Vos aclamam sem cessar:
Santo, Santo, Santo, Senhor deus do Universo
O céu e a terra proclamam a vossa glória.
O coro glorioso dos Apóstolos, a falange venerável dos Profetas,
O exército resplandecente dos Mártires, cantam os vossos louvores.
A santa Igreja anuncia por toda a terra a glória do vosso nome:
Deus de infinita majestade, Pai, Filho e Espírito Santo.
Senhor Jesus Cristo, Rei da glória, Filho do Eterno Pai,
Para salvar o homem, tomastes a condição de servo
No seio da Virgem Maria.
Vós despedaçastes as cadeias da morte e abristes as portas do céu.
Vós estais sentado à direita de Deus, na glória do pai,
E de novo haveis de vir para julgar os vivos e os mortos.
Socorrei os vossos servos, Senhor,
Que remistes com o vosso Sangue precioso;
E recebei-os na luz da glória, na assembleia dos Santos.

(…)

Gloria – Soprano, Alto, Tenor, Baixo, Coro, Orquestra e Órgão

Gloria Patri et Filio et Spiritui Sancto.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo.